103 alguns que vivem muy atribuladamente, e muytos deles, que são homeins Àdalgos e honrados, por não viverem debaixo da sogeição dos mouros, os mais deles se saen da terra e tomando abitos pobres detreminão de andarem por todo ho mundo e não asentarem em nenhum lugar, e asy ho fazem, ate que nesta peregrinação morrem. Estes não tem nada de seu porque a fazenda que tinhão perderam-na. Andão nuus e descalços nem trazem nenhŕa cousa na cabeça, somente cobrem suas vergonhas com huns bragueiros de latão mourisquo, de que trazem huns sintos de muytas peças e jogão d’ambalas bandas, de largura de quatro dedos, envasados em forma, com muytas Àguras neles esculpidas, e trazem-nos tão apertados que lhe fazem subir as tripas muy asyma, e nestes quantos andão hos bragueiros pegados, onde vem fechar com seus fechos, tudo tão apertado que lhe daa grande pena; e alem disto trazem muy grosas cadeas de ferro pelo pescoço [e] cinta; os corpos e rostos trazem untados de sinza; trazem mais huum cornete pequeno ou buzina com hos quais, onde quer que chegão, chamão e pedem de comer, principalmente nas casas d’oração e de reis ou grandes senhores. Andão estes pela maior parte juntos, como os egiptanos em nosas partes, nem custumão estarem muyto em qualquer parte, antes mui poucos dias; estes chamão jones, ou coamer, que quer dizer tanto como servidor de deus. São estes gentios homeins baços, muy bem despostos e apesoados e gentis homeins dos rostos; nunqua penteão hos cabelos, trazem-nos feitos em tramças[1]. Eu lhe perguntei muytas vezes porque andavão asy, eles me respondião que trazião aquelas cadeas de ferro sempre sobre sy em penitencia do grande pecado que Àzerão em não quererem sofrer as armas de sua honra e deixaren-se tomar a tam roim gemte como são hos mouros, e que andavão nuus em synal de muyta desonra porque deixarão perder suas terras e casas em que hos Deus criou, e que não querião nenhŕa fazenda pois perderão as suas sobre que deverão de 1. Duarte Barbosa refere-se aos “jogues” que são os ascetas hindus, muitas vezes penitentes e mendicantes; cf. S. R. Dalgado, Glossário Luso-Asiático, vol. I, Coimbra 1919, pp. 491-494.
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